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terça-feira, 16 de novembro de 2010

Estrangeira enfrenta solidão e abandono dentro da cadeia

Perfil da mula é da mulher provedora, pobre ou então manipulada pelo companheiro envolvido com o tráfico.

PHEONA BONITA viveu momentos de solidão e abandono, que relatou em seu diário. Agora, quer tentar nova vida

Um milhão de dólares guienenses, menos de R$ 30 mil. Essa foi a quantia prometida para Pheona Bonita Guiddings, 24 anos, transportar de Fortaleza para a Espanha 1,5 quilos de cocaína.

Pheona, nascida na Guiana, foi presa em Fortaleza em janeiro de 2009, quando tentava embarcar no aeroporto internacional Pinto Martins. De princípio, a Polícia Federal chegou a desconfiar que portava drogas dentro do estômago, conforme conta, o que não era verdade.

Desde quando ganhou a liberdade, ela já morou no Jóquei Club e agora reside provisoriamente na Lagoa Redonda. A principal relação de amizades são mulheres que conheceu na prisão, na mesma condição, quer praticando o tráfico internacional ou nacional.

"Eu sabia das consequências pelo tráfico. Mas eu via uma grande oportunidade de realizar meu projeto e não tinha, até então, outra alternativa", diz.

O caso da jovem é exemplar da manipulação de sonhos e promessas de dinheiro que seriam o suficiente para transformá-los em realidade. No seu caso, almejava possuir um salão de beleza, em Georgetown, a Capital de seu País.

Ela ainda mantém o plano de abrir seu salão, mas só que dessa vez quando deixar o Brasil e, depois, se fixar nas Bahamas, onde residem seus pais. Dessa vez, terá o apoio da família.

Durante a prisão, Pheona conta que chorava todos os dias. Para aliviar a solidão e a dor de ter sua liberdade suprimida, tinha como apoio o seu diário, onde escrevia sobre suas angústias, sonhos de liberdade e a dor da saudade.

O arrependimento chegou cedo. Mas mesmo em liberdade, ela ainda se defrontou com grandes dificuldades, principalmente a financeira.

Afinal, sem parentes, tinha que buscar moradias alugadas, com dinheiro curto proveniente de seus familiares. Enfim, sua esperança maior agora é sair do Brasil e nunca mais se envolver com o tráfico.Em termos de tipo de motivação para se envolver com o tráfico, o caso de Pheona pode ser uma exceção. Afinal, o que tem prevalecido na estatística da Secretaria de Justiça do Estado tem sido mulheres que buscam o caminho do tráfico para manter a família nas demandas mais elementares de subsistência.

A história de privações de abandono do companheiro é bem conhecida pela suíça Sandra Schoch, 24 anos. Ela foi condenada a sete anos de prisão, também por ter atuado como mula.
No seu caso, foi porque não contava com outra alternativa para o sustento do filho. Mãe protetora, diz que a única motivação foi o dinheiro, que não diz quanto, para resolver uma necessidade urgente na vida doméstica.

Atualmente, trabalha na padaria que funciona no presídio Auri Moura. Ela conta que boa parte do que já se escreveu se encontra com seus familiares na Suíça. Não sabe o que fará com suas anotações sobre a vida na prisão, mas enfatiza que não é mera catarse.

SUPERLOTAÇÃO
Presos de outros países ficam em um só lugar
Também há uma reconhecida superlotação no presídio masculino, que é o único a reunir estrangeiros, envolvidos com o tráfico internacional de drogas e entorpecentes.

O diretor adjunto do IPPOO II, Edmar de Oliveira Santos, reconhece que há uma superlotação, mas não crer que a criação de uma unidade exclusiva para os chamados mulas seria a melhor maneira de conduzir a questão da pena de prisão.Santos diz que a junção de condenados e presos provisórios é o principal item responsável pelo crescimento da população carcerária, mas foi fundamental para a humanização na relação com prisioneiros que não se configuram no perfil de periculosidade. "Antes os estrangeiros ficavam distribuídos por casas de custódia, em cadeias ou mesmo no mesmo no Instituto Penal. Isso foi resolvido com a concentração em um só local", afirma.

Do mesmo modo aconteceu no presídio feminino, que com capacidade para 370 presas, hoje conta com mais 100 presas a mais do número adequado. Recentemente foi decretada lei que não permite lotação nos presídios acima de 10% da capacidade prevista.

Em decisão tomada em 25 de agosto passado, o juiz titular da Vara de Execução Penal e Corregedoria de Presídios da Comarca de Fortaleza, Luiz Bessa Neto, determinou que nenhuma unidade penitenciária deve admitir excesso prisional superior a 10% da capacidade máxima. A decisão se encontra em vigor.
No caso do Auri Moura, a dificuldade maior está no fato de que não há separação de unidades para as presas em progressão de regime, embora haja distribuição por alas, para aquelas que estão no regime aberto ou semi aberto. Ou seja, a progressão é imperceptível.

SAÚDE PRECÁRIA
Mulher trafica para evitar perda da visão.
O Presídio Feminino Auri Moura e o Instituto Presídio Olavo Oliveira, localizados em Itaitinga, estão com a capacidade extrapoladas de internos. Essas unidades são as únicas no Estado que acomodam os estrangeiros presos por porte de entorpecentes, enquadrados no artigo 33 da lei federal 11.343, que trata da repressão ao tráfico.

Tanto o recinto masculino quanto o feminino demonstram que por mais que se tenha evoluído nas acomodações e na segurança, há realidades não reveladas sobre abandono, discriminação e isolamento dos presos e presas. A ausência de visitas é até uma questão menor, diante de dramas sérios.

A
guienense Joy Uletty Bartholomew, 23 anos, é um dos casos tocantes de abandono de estrangeiras em prisão brasileira. Ela se encontra há um ano no Auri Moura, após ser pega com cocaína, quando se preparava para viajar para a Europa.

O caso dela chama a tenção pelo fato de que se envolveu no tráfico, a fim de custear uma cirurgia plástica. O ex-companheiro lhe atingiu com ácido no rosto, o que fez com que perdesse a visão no olho esquerdo. Além do rosto sequelado, usa permanentemente um tapa olho. O drama vivido por Joy toca suas companheiras, que pedem que o Estado lhe ofereça uma cirurgia, antes que as complicações de saúde se tornem mais graves. Ela até hoje não recebeu nenhum visita.

Se a situação de atendimento médico é precária para Joy, mesmo casos simples se tornam complexos para a comunidade de internos e internas. "Não faltam médicos, mas os intervalos de visitas chegam a três meses", diz Pheona. As detentas não fazem o exame de prevenção do câncer. Enquanto que o feminino padece dos problemas de acomodação para o benefício de progressão de regime, também há uma assistência médica precária, o que não é somente o caso de Joy.

CABO VERDE LIDERA
Africanas são maioria no presídio Auri MouraDas 42 detentas presas no Presídio Feminino Auri Moura, 22 são provenientes do Continente africano. Maior número de Cabo Verde, com 13 mulheres. Em seguida, Guiné-Bissau, com cinco detentas. Há uma união e identificação natural entre as africanas. Os grupos se formam pela identificação, principalmente, do idioma, no caso o Português, entre as africanas, Inglês, entre as europeias e o Espanhol, com as da América do Sul e Espanha.

Maria Sábado, de 32, é uma das internas que fazem parte do grupo africano.
Natural de Guiné-Bissau, foi presa há um ano e dois meses, transportando cocaína na mala. Diz que foi levada pela tentativa de suprir as necessidades familiares. Com três filhos, pensava em oferecer um mínimo de conforto material. Ou seja, uma vida bem diferente da que vinha passando à frente da família, já que não tinha mais seu companheiro.

Maria Sábado chora quando pensa nos filhos, principalmente o mais novo que tem dois anos de idade. Ela conta que vive pensando em retornar ao seu País e para a vida, que praticamente lhe foi roubada.

No presídio passa o tempo trabalhando na oficina de artesanato. Pelo trabalho, ganha menos que um salário mínimo, mas exerce uma atividade que vai diminuindo seus dias de permanência no presídio. Por cada três de trabalho, ganha um de liberdade. Não esconde seus temores, quando chegar a ocasião de sair da cadeia. "Tenho medo do mundo lá fora", enfatiza.

Conhecedora da dificuldade encontrada por outras estrangeiras de moradia, enquanto se aguarda o processo burocrático de expulsão, diz que se sente bem melhor no presídio. "Daqui gostaria de ir logo para o meu País", cita. A tramitação do processo de expulsão pode levar até dois meses, que implicam em pagamento de aluguel e de outros gastos, impagáveis quando não se tem trabalho.

Fonte: Diário do Nordeste

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