Conselho Federal de Medicina vai definir orientações para profissionais no primeiro semestre de 2011.
O consumo de crack no Brasil se tornou uma epidemia e, por enquanto, está absolutamente fora do controle das autoridades e das famílias brasileiras. Políticas de prevenção, tratamento e repressão ainda pouco eficientes preocupam a classe médica, que precisa atender os que sentem o efeito devastador da droga e responder às angústias de famílias que chegam aos hospitais sem saber o que fazer com os filhos. Até agora, eles dizem não saber como fazer isso.
Com este diagnóstico em mãos, o Conselho Federal de Medicina (CFM) reuniu as principais autoridades do País para traçar, até a metade do ano que vem, novas normas de atendimento aos usuários dependentes do crack.
O CFM está preocupado com a lentidão dos resultados de políticas públicas para o assunto e também com o novo plano de combate traçado pelo governo federal. Os conselheiros querem participar mais ativamente das discussões e do monitoramento das ações definidas pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas da Presidência da República (Senad), que ainda estão no papel, mas movimentarão R$ 400 milhões até o fim do ano.
Para isso, médicos interessados no tema em todo o Brasil se reuniram em Brasília nesta quinta-feira, dia 25. Iniciaram um Fórum Nacional sobre Aspectos Médicos e Sociais Relacionados ao Uso de Crack, que já tem mais duas reuniões marcadas para o ano que vem. Em março de 2011, a classe discutirá políticas de redução de danos aos usuários. Em abril, definições sobre o protocolo de atendimento ideal entrarão em pauta e, em maio, a capacitação dos profissionais que lidam com dependência química será o foco dos debates.
Desconhecimento
O primeiro encontro serviu para que gestores, pesquisadores e médicos que lidam com os pacientes na ponta dividissem preocupações e opiniões sobre as estratégias adotadas hoje no Brasil para combater o avanço do consumo da droga e auxiliar na recuperação dos dependentes.
“Sabemos pouco sobre o crack no mundo. Não há protocolo, antídoto ou dados suficientes para lidarmos com o problema. A certeza é de que todos precisamos trabalhar juntos: gestores, psiquiatras, sociedade”, afirma Ricardo Paiva, coordenador do fórum.
Uma pequena pesquisa de opinião preparada durante o evento mostrou que os médicos, de fato, desconhecem as especificidades do tema. Em perguntas como “você se sente qualificado para tratar o crack” ou “você conhece protocolos de assistência ao usuário”, a maioria dos participantes respondeu não (65% e 75,8%, respectivamente). Metade dos participantes admitiu não saber para onde encaminhar um usuário de crack se precisasse. Roberto Luiz d’Ávila, presidente do CFM, reconheceu que ele próprio desconhece as respostas.
“Cabe aqui uma reflexão de que precisamos agir e sensibilizar os médicos para o problema, tanto como profissionais quanto como cidadãos”, comentou. A falta de formação adequada para lidar com os pacientes usuários da droga é apenas um dos empecilhos para o enfrentamento adequado da epidemia. Os médicos criticam a definição lenta de ações eficientes nesse sentido.
“Infelizmente, nos últimos 10 ou 12 anos, o governo não teve sensibilidade para compreender a urgência que o crack exige e demorou a responder à epidemia”, critica Ronaldo Laranjeira, coordenador do Instituto Nacional de Políticas sobre Álcool e Drogas (Inpad).
Para Laranjeira, os modelos de atendimento dado aos usuários hoje e os definidos no novo plano de combate à droga não acompanham a complexidade da dependência causada pelo crack. “Essa é uma doença complexa. Vamos precisar de ambulatórios especializados, ações em escolas, maior relação com grupos de autoajuda, moradias assistivas”, afirma. O médico ressalta que grande parte dos usuários da droga morre nos primeiros cinco anos de vício. “Não vimos essa urgência refletida no combate ao uso da droga”, diz.
O psiquiatra defende a criação de unidades de tratamento especializadas, que combinem diferentes estratégias para evitar recaídas dos pacientes. Psiquiatras, psicólogos, grupos de autoajuda e orientação familiar têm de estar disponíveis, defende. Outro ponto fundamental, segundo ele, é preservar diferenças regionais nas ações. “Não é uma crítica partidária. Temos visto as mesmas políticas desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. A área da dependência química continua neglicenciada”, diz.
Plano federal
Paulina Duarte, secretária-adjunta da Senad, defendeu o plano elaborado pelo governo em maio. “Concordo que muito ainda é precisa muito, mas discordo da ideia de que nada foi feito. O governo tem feito um investimento gigantesco, que pode ser insuficiente ainda, especialmente nas áreas de tratamento e ressocialização. Esse não é um plano milagroso, ele nasceu de trabalhos que temos feito em parceria com universidades, financiando pesquisas”, afirmou. Segundo Paulina, R$ 400 milhões serão investidos ainda este ano no programa.
O plano contempla diferentes frentes de atuação: ensino e pesquisa; prevenção, tratamento e reinserção social, e enfrentamento ao tráfico. Nas próximas semanas, Paulina garante que uma promessa feita no lançamento, que já deveria estar no ar, finalmente estará disponível à população, um site informativo e interativo sobre o crack. O objetivo é esclarecer a população sobre a droga, mostrando como a dependência é causada, o efeito da droga no organismo, como funciona o tratamento e onde buscar ajuda.
De acordo com Paulina, a rede de assistência social e a de saúde serão ampliadas. Além da criação de leitos para dependentes químicos em hospitais gerais, mais Centros de Atenção Psicossociais (CAPs) passarão a funcionar no País. O plano também vai financiar estudos sobre o perfil dos usuários de crack no Brasil. As estatísticas disponíveis sobre isso atualmente retratam recortes da sociedade e não toda ela. Há dados sobre estudantes consumidores da droga e habitantes de algumas regiões, por exemplo.
Com dinheiro e escolarizados
Um estudo com 22 mil pessoas em todo o País será concluído no início de dezembro, segundo Paulina. Ana Cecília Marques, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo ( Unifesp), ressalta que o perfil dos usuários mudou desde a década de 1990, quando a droga se tornou popular no País.
“Hoje, 0,3% da população mundial está consumindo o crack. Em 2004, identificamos que pelo menos 1% dos estudantes do ensino fundamental das escolas públicas já haviam experimentado a droga. Hoje, os usuários são mais escolarizados e mais velhos”, diz.
Durante os debates, uma senhora comoveu os participantes. Professora da rede pública de ensino de Brasília, Diana Costa, 56 anos, ouviu pelo rádio a notícia do fórum. Decidiu buscar mais informações – mesmo sendo um evento para especialistas – sobre a droga que acabou com sua família. E pedir ajuda.
O filho dela, de 36 anos, e a nora, de 20, estão viciados em crack. Ela contou que eles perderam tudo o que tinham em casa para acertar dívidas com os traficantes. O filho, de dois meses, também foi rejeitado pelos dois, que o entregaram a ela. "Esse crack é uma desgraça", afirmou.
Diana pediu que os especialistas lhe orientassem. Ela já havia acompanhado o filho e a nora a hospitais públicos de Brasília duas vezes para tentar uma consulta com um psiquiatra, mas não conseguiram. E ninguém a indicou o que fazer.
"Eu estou desesperada. Essa droga acabou com meu filho, acabou com a minha vida. Isso é avassalador. Meu filho largou emprego, emagreceu quase 20 quilos em quatro meses. Não sei o que fazer", desabafou.
Fonte: UNIAD - Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas
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