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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Submundo nas noites de Fortaleza



O rapaz que caminha pela Praia do Náutico, depois da meia-noite, procura as sobras do crack. Tenta encontrar algum resto de pedra nos pontos onde os usuários da droga costumam fumar, próximo ao calçadão da avenida Beira Mar. Assim que ele sai, outros dois jovens chegam, sentam perto da lama de uma galeria pluvial e acendem a pedra. Movimento que se repete durante toda a madrugada.


Cenas como essa se multiplicam pela cidade. Uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mapeou cerca de 300 cenas de uso público do crack em diferentes pontos da Capital e Região Metropolitana. Durante duas noites, O POVO percorreu alguns desses locais e se propôs a acompanhar o cotidiano dos usuários da droga.


No primeiro dia da série, O POVO mostra cenas do submundo do crack na avenida Beira Mar. O percurso foi guiado por dois educadores sociais que trabalham com moradores de rua. A abordagem aos jovens sob efeito do crack é difícil. “Quando ficam nesse estado, nem escutam a gente”, comenta Antônio Carlos, educador social da ONG Pequeno Nazareno. O “tio”, como é chamado pelos meninos, tenta falar com Lucas, um rapaz de 18 anos que aparenta ter menos (o corpo é miúdo, consumido pelo crack).


O menino magro, com pés descalços e roupa suja, nem olha para Antônio. Vai até a fila do McDonald’s, na avenida Beira Mar, e pede dinheiro aos clientes. Um deles paga um sanduíche com Coca-Cola. Feito zumbi, Lucas recebe o pacote, sai da lanchonete e tenta vender a comida para o primeiro taxista que encontra.

Tenta mais um, outro, até que consegue vender o lanche para um casal de feirantes, por R$ 7 (se tivesse sido comprado direto na loja, sairia por R$ 11). Pergunto se o casal sabe que o dinheiro é para comprar droga. “Sei. É todo dia assim. Sempre tem alguém que compre”, responde a mulher, sem se identificar.

Lucas pega o dinheiro e segue pedindo moeda para quem caminha no calçadão. Depois de alguns minutos, compra um cigarro - a cinza é usada para acender a pedra - e sobe a rua Oswaldo Cruz, na companhia de um outro menino. “Eles esperam juntar R$ 10 para comprar pelo menos duas pedras”, explica Antônio.

A história desse menino é triste. Quando ele tinha sete anos, a mãe foi assassinada pelo pai”, conta o educador social. Lucas foi morar na rua e acabou se envolvendo com o crack e outras drogas.

O educador social trabalha há nove anos com abordagens na rua. “Aqui em Fortaleza, o pessoal fuma escondido. Eles procuram terrenos abandonados, becos escuros ou o próprio traficante fornece um local (boca-de-fumo). Não é como em São Paulo, que tem uma Cracolândia, uma rua onde todo mundo se junta para fumar”, compara.

O POVO usa nomes fictícios para preservar a identidade dos jovens.

Saiba mais

Quando estão sem dinheiro para comprar a droga, usuários chegam a procurar sobras de pedra nas latas de refrigerante usadas para fumar o crack.

Ninguém fala quando a pergunta é sobre onde se compra o crack. Quem revela ponto de venda corre grande risco de ser morto.

O crack é preparado a partir da mistura de pasta base de cocaína com bicarbonato de sódio. Substâncias tóxicas como gasolina, querosene e até água de bateria podem entrar na mistura. A pedra é fumada em cachimbo, em tubos de PVC ou aquecida numa lata.

Os efeitos são devastadores. Do ponto de vista emocional, observa-se forte inquietação e agitação mental, grande alteração do estado de humor. Há inibição do apetite, agitação física, aumento da temperatura e das frequências respiratória e cardíaca, suor excessivo, tremores, contrações musculares involuntárias (principalmente da mandíbula), tiques e dilatação da pupila.

O uso crônico causa diversas complicações clínicas, como emagrecimento e favorecimento de infecções, além de quadros de psicose, agressividade, paranoia e alucinações. 

Os educadores sociais fazem parte da Equipe Interdisciplinar de Abordagem de Rua. Os profissionais acompanham crianças e adolescentes moradores de rua, fazendo aconselhamentos e tentando levá-los para abrigos, entre outras atividades.

SINAIS DO USO DE CRACK

Abandono de interesses sociais (perda de interesse pelos estudos, trabalho ou hábitos anteriores ao uso do crack);
Visível mudança física (perda de pelos, pele ressecada, envelhecimento precoce, emagrecimento);
Comportamento deprimido, cansaço, descuido na aparência, irritação, agressividade;
Mudança de hábitos alimentares, falta de apetite e insônia severa;
Atitudes suspeitas, como “sumir de casa” sem aviso;
Extorsão de dinheiro da família;
Mentiras frequentes ou recusa em explicar mudança de hábitos ou comportamentos inadequados.

Fonte: Cartilha sobre o Crack (Publicado em 2011 pelo Conselho Nacional de Justiça) / O POVO

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