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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Especialistas criticam o modelo de tratamento aos usuários de crack


O tratamento da dependência do crack é tão complexo quanto o rastro de destruição deixado pela droga. Um modelo eficaz de intervenção sugerido pelos especialistas ouvidos pela reportagem seria a combinação de uma rede de assistência onde o usuário pudesse ser atendido por psiquiatra, psicólogo, assistente social, além de um acompanhamento após a alta do tratamento. No entanto, a fórmula não ultrapassa 40% de sucesso nos resultados.

O psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Ronaldo Laranjeira, considerado um dos maiores especialistas em estudo das drogas no país, afirma que as opções de tratamento oferecidas pela rede pública estão longe de conseguirem um êxito mínimo. Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), modelo oferecido pelo governo (veja quadro abaixo), é analisado por Laranjeira como um erro de investimento por parte do Ministério da Saúde. “O governo quer financiar só um tipo de tratamento. Um tipo cuja aderência dos pacientes é baixa ou inexistente”, afirma.

Para o tamanho do problema no país que, segundo dados do Ministério da Justiça, já se arrasta com cerca de 600 mil viciados na droga, o especialista da Unifesp sugere um modelo compartilhado das opções oferecidas pela rede pública. “Seria a combinação dos Caps, com as comunidades terapêuticas, moradias assistidas e internação”, afirma Laranjeira.

O uso de medicamentos, na opinião dos médicos, também pode fazer toda a diferença no tratamento dos dependentes. De acordo com o psiquiatra da Subsecretaria de Políticas Antidrogas Valdir Ribeiro Campos, a intervenção médica é fundamental na tentativa de cura dos pacientes. “O tratamento mais eficaz é o médico junto com o psicológico. É melhor, mas não vai resolver 100% dos problemas”, afirma.

As comunidades terapêuticas, vinculadas na sua maioria a associações religiosas, são parceiras do governo na oferta de tratamento. Em Minas, a secretaria conta com 31 unidades conveniadas. A abordagem do problema dispensa os remédios e passa pelas terapias individuais, de grupo, trabalhos manuais e isolamento do meio urbano. “É um tratamento que requer muito do usuário, da atitude no tratamento. Temos vários resultados positivos, mas não é a maioria”, conta o coordenador da Comunidade Terapêutica Caminhos da Sobriedade, Paulo Gregório de Lima.

Marcos*, 31, começou a usar crack aos 15 anos e há dois está recuperado. Após passar por quatro internações em uma clínica terapêutica, ele diz que está curado e defende a terapia sem medicamentos como meio de obter sucesso. “Depende somente da gente. E é preciso se afastar do ambiente das drogas”, diz.

É nas clínicas particulares que a eficácia de uma abordagem do problema se aproxima do ideal. No entanto, o preço salgado – a média de custo de um mês de internação é de R$ 14 mil – afasta pelo menos 80% dos usuários de crack no Brasil, inseridos na classe baixa. “Aqui contamos com psiquiatras, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas”, contou o psicólogo do Centro Psicoterápico César Rodrigues Oliveira. A clínica, situada no bairro Mangabeiras, região Centro-Sul de Belo Horizonte, cobra R$ 3.500 por semana de internação.

Tratamento forçado

Após a decisão da Justiça do Rio de Janeiro em autorizar a internação compulsória de menores viciados em crack pela prefeitura carioca, o tratamento involuntário de usuários apenas com o aval de um médico volta à discussão com a possibilidade da criação de uma lei que autorize a medida em todo o país.

A iniciativa de autoria do deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS) em tramitação no Congresso pretende aumentar a pena para traficantes de crack em dois terços e permitir que a baixa médica involuntária seja autorizada com a extinção do parecer da Justiça. Hoje, somente um juiz pode autorizar que uma pessoa seja internada à força. “Vamos deixar os médicos decidirem. Tanto no Rio, quanto em São Paulo e em Minas, antes de colocarem isso em prática, é preciso haver uma retaguarda bem montada para tratar esses doentes. Têm que investir”, afirma Terra.

A ideia divide opiniões e é tratada com ressalvas por alguns especialistas no assunto. Para o psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Ronaldo Laranjeira, a iniciativa é válida em alguns casos. No entanto, o sucesso da estratégia depende de um acompanhamento mais amplo por parte dos profissionais da saúde. “É uma doença que muitas vezes exige intervenção forçada. A dependência tira a capacidade de controle do indivíduo”, afirmou.

Para muitas famílias, a internação compulsória foi a única maneira de tentar salvar um parente da destruição. A auxiliar de cozinha Wanderléia Almeida da Silva, 38, conseguiu na Justiça mineira a primeira autorização no Estado para a internação compulsória de uma menor. A garota de 14 anos está internada há um mês em uma comunidade terapêutica na região metropolitana de Belo Horizonte. Para Wanderléia, essa foi a única forma de salvar a vida da filha. “Eu fiquei dois anos esperando a decisão da Vara da Infância e Juventude. Eles queriam que minha filha fizesse 18 anos. E se ela não vivesse até lá?”, questionou a mãe. A adolescente, de acordo com a auxiliar de cozinha, deverá ter alta após um ano de tratamento.

O motorista Rogério*,38, contou que chegou a gastar R$ 1.000 em uma semana com pedras de crack. Livre da droga há três anos, conta que a intervenção forçada realizada pelos pais deu um empurrão. Porém, a cura só veio após o desejo ter sido despertado por vontade própria. “Eu me internei seis vezes. Foram três forçadas. Ajudou, porque depois eu vi que era curar ou a morte. E fui sozinho nas outras, com recaídas, mas voltava”, afirma o motorista.

Em Minas, a internação compulsória é um modelo criticado pela Subsecretaria de Políticas Antidrogas. Nenhuma opção de tratamento da rede pública acolhe um usuário sem ser por vontade própria. Para o subsecretário, Cloves Benevides, a estratégia só é bem-vinda em casos extremos de risco à vida do viciado. “O Estado não pode interferir na vida das pessoas dessa maneira. Somente em casos muito específicos”.

“Que país é esse?”, pergunta juíza
Omissão contemplativa. A expressão foi usada pela juíza Ivone Ferreira Caetano, autora da sentença que determinou a internação compulsória de menores da cidade do Rio de Janeiro, para criticar a falta de atitude por parte do poder público e sociedade no enfrentamento do crack. A magistrada responde aos críticos da medida questionando a postura dos que se opõem à ação. “Agora, quando alguém fez alguma coisa, várias vozes se levantam. E quando estavam na rua? Quem cobrou? Que país é esse?”, pergunta a juíza.

Em maio passado, pelo menos 80 menores foram levados a abrigos do Rio para o tratamento obrigatório, a pedido da prefeitura carioca. A medida inédita no país provocou a reação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Estado fluminense sob a alegação de que a determinação feria o princípio constitucional da liberdade do indivíduo. “Que liberdade? Não há direito ilimitado na Constituição a não ser à vida com dignidade”, afirma a magistrada.

Para a juíza, as autoridades têm o dever de agir e lançar mão da internação compulsória em detrimento das políticas públicas que pregam a assistência aos usuários que concordem espontaneamente a serem tratados. “Estamos mantendo as nossas crianças nas ruas porque não são nossos filhos. Porque nossos filhos, a gente paga uma clínica.”, diz.

Entrevista: Osmar Terra

A maioria dos usuários não quer se internar

Por que o senhor decidiu criar o projeto de lei que autoriza a internação compulsória apenas com um aval médico?

A maioria dos usuários não quer se internar.O objetivo é dar chance mais cedo de cura. A experiência que a gente tem de pessoas internadas compulsoriamente, com decisão judicial, é que todos eles concordaram que precisavam daquela intervenção.

Alguns criticam a medida dizendo que fere a liberdade do indivíduo. O que o senhor pensa disso?É escolher entre a vida ou direito de ir e vir. O problema é que o sujeito é livre só no início. Porque depois ele vira escravo da droga.

O que o senhor tem contra o modelo atual
?

Estão fechando os olhos, é uma calamidade. Essas pessoas não vão procurar ajuda de forma espontânea. Estão destruídos pela droga. Não tem programa, não tem ação. A única coisa que existe são os Caps e o atendimento ambulatorial. É um absurdo!

Entrevista: Cloves Benevides

A internação compulsória não deve ser uma política pública

Qual é a avaliação do senhor sobre o projeto de lei que defende a internação compulsória de usuários de drogas?

Minas tem uma posição diferente a cerca da internação compulsória. Nós entendemos que ela é válida, tem sentido, em casos muito específicos. A internação compulsória não deve ser uma política pública.

Por quê? Porque se, na abordagem feita ao usuário, não se permitir ao indivíduo uma capacidade de escolha, de fazer opção de processo de abstinência, ele vai sair da clínica e usar a droga. Ele passa compulsoriamente pelo tratamento, mas não cria senso de responsabilidade.

A busca pelo tratamento de usuários nas ruas acontece?

São necessárias múltiplas abordagens. Acolhemos os indivíduos no primeiro estágio. Defendemos que ele pode ser encaminhado outras vezes. Em outro momento ele vai desenvolver um quadro de vontade. (Com O Tempo)

* Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos personagens.

Fonte: Via Comercial

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