Em geral, o consumo de álcool tende a diminuir com a idade; mas um número significativo de idosos faz o uso nocivo dessa substância e, consequentemente, podem apresentar ou desenvolver transtornos relacionados, como o abuso e a dependência alcoólica. Esse tema é de grande relevância na medida em que, conforme o avançar da idade, a tolerância do corpo ao álcool diminui e seus efeitos sobre o sistema nervoso central aumentam, promovendo déficits no funcionamento cognitivo e intelectual e prejuízos no comportamento global.
No Brasil, os dados de uma pesquisa de abrangência nacional, com 400 adultos acima de 60 anos de idade, são preocupantes: 12% dos entrevistados foram classificados como bebedores pesados (consumo de mais de 7 doses* por semana), 10,4% como bebedores pesados episódicos (considerado por este estudo como o consumo de mais de 3 doses em uma única ocasião) e quase 3% foram diagnosticados como dependentes (segundo os critérios da 4ª Edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da American Psychiatric Association)**.
Na literatura, ainda há poucos estudos sobre os fatores pessoais e sociais que expõem um indivíduo a maiores riscos de beber em padrões prejudiciais e de desenvolver problemas relacionados à medida que envelhecem, principalmente entre as faixas etárias de 55-65 anos a 75-85 anos. Assim, um estudo recente, realizado nos Estados Unidos, avaliou se o histórico do uso de álcool na vida e a procura de ajuda estariam associados ao uso nocivo de álcool e problemas relacionados na terceira idade. Para isso, foram entrevistados 719 idosos residentes em uma comunidade americana ao longo de 20 anos, em três períodos: a primeira coleta de dados foi realizada entre 1986-1988, quando os indivíduos tinham entre 55 e 65 anos de idade, e as outras coletas, 10 e 20 anos depois.
No estudo, o uso de álcool foi considerado de alto risco quando o indivíduo relatava beber 3 ou mais doses por dia ou 14 ou mais doses por semana e, para avaliar o histórico do uso de álcool na vida, os entrevistados eram solicitados a lembrar como bebiam quando eram adolescentes, adultos jovens (20–35 anos) e quando tinham entre 36 e 50 anos. Já os problemas relacionados ao uso de álcool incluíram problemas de funcionamento (deixar de comer ou realizar atividades da vida diária, sofrer alguma queda ou acidente devido ao uso de álcool), problemas interpessoais (se familiares ou amigos manifestavam preocupação sobre seu hábito de beber, se perdeu algum amigo devido ao uso dessa substância) e sintomas de abuso/dependência alcoólica (por exemplo, sintomas de tolerância, abstinência, continuidade do uso a despeito de problemas, beber mais do que planejava, entre outros). Com relação aos fatores sociais, os indivíduos eram questionados se participavam de atividades com amigos ou familiares (ir a piquenique, festa, reunião de clube, jogar cartas, visitar museu, entre outras) e quantos de seus amigos bebiam e aprovavam o consumo pesado de álcool. Os entrevistados também responderam sobre o uso de álcool ou outra substância para aliviar a tensão ou esquecer seus problemas, prática de alguma religião, se suas condições financeiras eram suficientes para manter suas necessidades diárias, se já haviam sido alertados a parar de beber ou se já haviam tentado parar de beber e o apoio recebido quando o fizeram.
Ao longo dos 20 anos do estudo, a grande maioria dos indivíduos reduziu seu consumo de álcool; entretanto, aos 75-85 anos de idade, até 30% dos participantes ainda faziam o uso de álcool de alto risco e/ou tinham problemas relacionados. Um histórico deste tipo de uso e de problemas decorrentes, ter amigos que aprovavam o beber pesado e ter sido aconselhado a parar de beber até os 50 anos de idade foram associados a uma maior probabilidade de beber de alto risco e ter problemas aos 75-85 anos. Em paralelo, ter tentado reduzir o consumo de álcool e receber o apoio de grupos como Alcoólicos Anônimos (AA) na vida adulta estiveram associados a uma menor chance de beber de alto risco e ter problemas relacionados na terceira idade.
Interações significativas entre o consumo de álcool de alto risco e as condições financeiras também foram encontradas neste estudo. Ter mais recursos financeiros não foi apenas um fator de risco geral para o consumo excessivo de álcool, mas também potencializou o risco para indivíduos com histórico de problemas com a bebida, sugerindo que uma condição financeira mais privilegiada estaria relacionada ao uso de álcool por idosos como um fator independentemente. Isso poderia ser devido ao fato de os idosos com menor renda tenderem a não comprar bebidas alcoólicas e não participar de atividades sociais que envolvam o álcool.
O uso de substâncias para diminuir a tensão foi um dos preditores mais consistentes para o uso de álcool de alto risco e de problemas relacionados na terceira idade. Praticar alguma religião foi um fator protetor moderado contra o consumo de alto risco de álcool e problemas com a bebida, possivelmente pela religião oferecer maior contato com pessoas que desaprovam o beber pesado e modos diferentes de lidar com a angústia.
A partir desses resultados, os autores do estudo sugerem que pessoas que desejam reduzir o consumo de álcool devem se inserir em uma rede social com indivíduos que não tenham o hábito de fazer uso pesado dessa substância, seja em grupos como os AA ou praticando alguma religião. Além disso, reforçam que o histórico uso de alto risco e de problemas relacionados, o consumo de álcool atual e o contexto social podem ser úteis para a identificação de idosos sob maior risco de consumo excessivo ou problemático de álcool.
* Uma dose-padrão de bebida alcoólica (350 ml de cerveja, 150 ml de vinho ou 50 ml de destilado) contém, aproximadamente, 10g de álcool puro.
** Castro-Costa E, Ferri CP, Lima-Costa MF, Zaleski M, Pinsky I, Caetano R, Laranjeira R (2008). Alcohol consumption in late-life - the first Brazilian National Alcohol Survey (BNAS). Addict Behav, 33(12), 1598-1601.
Título: Late-life and life history predictors of older adults’ high-risk alcohol consumption and drinking problems
Autores: Moos RH, Schutte KK, Brennan PL, Moos BS.
Fonte: Drug and Alcohol Dependence 108:13–20, 2010.
IF: 3.599
Fonte: CISA - Centro de Informações Sobre Saúde e Álcool
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