Nomes de rua: Branca, Branquinha, Coca, Gulosa, Neve, Snow
A cocaína é extraída da folha de uma pequena árvore nativa da América do Sul conhecida como coca (Erythroxylum coca). Folhas de coca foram encontradas em antigas câmaras funerárias no Peru, que datam de 2500 A.C. Aparentemente os Incas iniciaram o uso de coca por volta do 10o século. A coca era uma droga sagrada, sendo utilizada primariamente pelos sacerdotes e nobreza em cerimônias especiais. Com o tempo, a prática extendeu-se à população geral, e era utilizada para combater a fatiga provocada pelo ar rarefeito das regiões andinas. A coca era mascada por 45 minutos, associada a uma substância alcalina, e produzia efeitos semelhantes aos da cafeína: nesta forma de utilização (oral), a coca apresentava poucos efeitos colaterais e o efeito terapêutico era reduzido (estimulação). Como espécies selvagens da planta produzem folhas menores, que eram consideradas inferiores em sabor, o cultivo da coca ocorreu desde cedo. A planta era cuidadosamente cultivada e possuía significado religioso central nas sociedades andinas.
Diversos mitos Incas explicavam as origens da coca. Em um deles, a coca era uma linda mulher, executada por adultério, esquartejada e enterrada. De uma parte de seus restos a planta cresceu e floresceu para ser consumida apenas por homens, em sua memória. Em outro, a coca foi criada pelo deus Inti. Inti instruiu a mãe lua, Mama Quilla, a plantar coca nos vales úmidos e ordenou que apenas os descendentes dos deuses poderiam consumí-la. A droga teria sido disponibilizada para aliviar a fome e sede dos Incas, descendentes dos deuses, para que eles lidassem com as demandas terrenas.
Quando os espanhóis conquistaram os Incas, o uso da folha de coca já estava generalizado na população. Inicialmente os espanhóis, especialmente os missionários, aboliram o uso da coca por motivos religiosos: o uso de qualquer substância para ter visões era considerado bruxaria ou idolatria. Entretanto, cedo os conquistadores encontraram vantagens no uso da droga, embora eles mesmos não a utilizassem: sob Pizarro os escravos nativos trabalhavam mais e comiam menos se fossem permitidos mascar a coca. Rações fornecidas pelos conquistadores continham coca, que permitia aos escravos lidar com a miséria diária do trabalho forçado. A coca também se tornou um mercado lucrativo para os colonizadores, que possuíam plantações da droga nos Andes. Em 1569 Filipe II da Espanha declarou que a coca era essencial ao bem estar das índios dos Andes, e ao mesmo tempo urgia os missionários a acabar com o uso idólatra da planta. A igreja católica abandonou suas objeções à droga, já que a taxação sobre a substância tornou-se um rico meio de conseguir dividendos.
Nos séculos 16 e 17 o papel da coca como medicamento para diversos problemas médicos passou a ser reconhecido por médicos espanhóis, que advogavam seu uso para problemas da pele, resfriados, asma, reumatismo, laringites e dores de dentes. Embora a coca tenha sido transportada para a Europa, a substância não foi adotada pelos europeus, provavelmente devido à deterioração das amostras, assim como a aversão ao hábito de mascar as folhas. Apenas em 1750, quando o botânico Joseph de Jussieu em expedição no Peru enviou amostras que a planta passou a ser estudada.
A coca era virtualmente desconhecida na Europa até o século 19. O ingrediente ativo da coca foi identificado e isolado por Albert Niemann, na Alemanha, em 1860, ao qual deu o nome de cocaína. Na mesma época, Paolo Mantegazza, um neurologista italiano, descrevia os efeitos da cocaína em si mesmo, relatando detalhadamente os efeitos subjetivos e fisiológicos:
Algumas das imagens que tentei descrever na primeira parte do meu delírio eram cheias de poesia. Eu olhava com desdém os pobres mortais, condenados a viver neste vale de lágrimas enquanto eu, carregado nos ventos de duas folhas de coca, fui voando aos espaços de 77.438 palavras, cada uma mais esplêndida que a anterior.
Após uma hora eu já estava suficientemente calmo para escrever estas palavras com a mão firme: “Deus é injusto porque ele fez o homem incapaz de manter o efeito da coca por toda a vida. Eu preferia viver 10 anos de coca do que 1000000... (e aqui eu inseri uma linha de zeros) séculos sem coca.”
Freud, entusiasmado por este trabalho, assim como o de Theodor Aschenbradt, um médico militar da Bavária, que em 1883 relatou o uso de cocaína para exaustão e como analgésico, auxiliando soldados doentes à retornar à sua função, iniciou em 1884 experimentos com a droga. Em um artigo entitulado “Uber Coca” (1884) ele descreveu as virtudes da droga, declarando que a cocaína poderia ser utilizada para aumentar a capacidade física durante períodos estressantes, restaurar a capacidade mental reduzida pela fatiga, aliviar a depressão, tratar desordens gástricas, asma, alcoolismo, dependência de morfina e como anestésico local. Apenas este último provou ser a única propriedade médica da droga. Freud também tinha motivações pessoais no seu trabalho com a substância: seu amigo, o pesquisador Ernst von Fleischl-Marxow sofria de dependência de morfina derivada da utilização do medicamento para tratamento de dor crônica. Freud prescreveu a cocaína para tratar a exaustão nervosa derivada de abstinência de morfina de Fleischl. Eventualmente Fleischl passou a consumir uma grama por dia e tornou-se o primeiro toxicodependente europeu de cocaína. Ele apresentou delírios paranóides e referia sensações de pequenos insetos sob sua pele.
Freud, que pensava atingir fama e reputação com base em seu trabalho com a cocaína, viu-se em meio a uma polêmica, apenas três anos depois da publicação de seu trabalho. Erlenmeyer, uma autoridade em toxicodependência, chegou a acusá-lo de ter liberado “o terceiro flagelo da humanidade” (após o álcool e os opióides). Para defender-se, Freud afirmou que a cocaína não causava dependência e que apenas aqueles que anteriormente apresentavam dependência de morfina tornavam-se dependentes de cocaína.
Ao final da década de 1880 ocorreu uma epidemia de cocaína, com a droga sendo injetada pelas classes média e alta. Quase duzentos relatos médicos sobre intoxicação sistêmica por cocaína foram escritos até 1891, treze descrevendo mortes atribuídas à droga. Contrariando o esperado por Freud, um de seus pacientes faleceu de overdose. Robert Louis Stevenson usou a substância enquanto escreveu “O Estranho Caso do Dr. Jekyll e o Senhor Hyde”. Sherlock Holmes, personagem de Arthur Conan Doyle, injetava cocaína quando entediado pela falta de casos desafiadores. Como resultado do interesse do público, a produção de cocaína pela farmacêutica alemã Merck aumentou de 0,4 quilos em 1883 para 83,343 quilos em 1885. Da mesma forma, o preço da substância cesceu dramaticamente.
Enquanto o entusiasmo europeu pela droga era reduzido pelos diversos relatos de efeitos adversos, o interesse nos Estados Unidos permaneceu alto. Em 1887, o médico americano William Hammond recomendou que a cocaína fosse utilizada no tratamento da depressão, afirmando que não existia um “hábito de cocaína” e que qualquer um poderia abandonar o uso assim que desejasse. Em 1884, William Stewart Halsted, um renomado cirurgião norte-americano, publicou o primeiro de seus trabalhos sob a cocaína. Já em 1883 Koller, impressionado pelo trabalho de Freud, descreveu os poderes anestésicos da substância em cirurgias oculares. Halsted, entretanto, desenvolveu o anestésico para “bloqueio nervoso”. Infelizmente, como muitos de seus colegas da época, Halsted e vários de seus assistentes utilizaram a droga para fins experimentais e tornaram-se gravemente dependentes. Halsted passou por diversas hospitalizações e, numa tentativa reversa do que tinha sido preconizado até então, passou a utilizar morfina para “curar” seu vício em cocaína. Halsted faleceu em 1922, ainda dependente de morfina.
Fonte: Psiquiatria e Toxicodependência/ABEAD(Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas)
Archbishop Keleher has died
Há 2 semanas
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