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segunda-feira, 26 de julho de 2010

É hora da volta por cima na vida

Ninguém é irrecuperável, prega e pratica o líder do Instituto Volta Vida, Osmar Diógenes. Já são 11 anos oferecendo tratamento a dependentes químicos que querem se recuperar.

São dois padrinhos, também dependentes em recuperação, que recebem o paciente que acaba de chegar. Dão força, oferecem o ombro, até banham quando preciso. Ensaiam o papel de pai. A recepção assim é feita no Instituto Volta Vida, há 11 anos em atuação em Fortaleza. Lá, o tratamento sugerido é de seis meses e não falta o que fazer. Homens e mulheres atuam com jardinagem, limpeza, atividades na água. Não há tempo de ócio.

Os adictos em recuperação ficam divididos em casas, separadas por cores. Mas nunca sós. “Quem está só está mal acompanhado”, Osmar Diógenes reinventa o ditado. Moram no Instituto adolescentes de 15 anos a senhores de 78. Filho de advogado famoso e filho de diarista. A maior parte, homem. Mulheres são a minoria, mas cada uma dá trabalho por, pelo menos, 10 homens, estima Osmar. Pela agressividade da abstinência da droga, pela sexualidade aguçada, pela ousadia típica. Coisa de mulher.

Atuam no Instituto 30 profissionais. Psiquiatras, clínicos, terapeutas, educadores, enfermeiros, psicólogos. Cuidam de pais e filhos. O tratamento com a família é feito com “reuniões de partilha e de estudo”, semanais. Assim como seguem os 12 passos para os adictos, há outros 12 para a família. Boa parte comparece, participa. Mas outra só deixa no Instituto e lava o peito: “Fiz minha parte”. Osmar já ouviu um tanto de vezes essa frase, como se bastasse.

Ele é que, muitas vezes, vira pai, irmão e amigo. “Nenhum caso é irrecuperável, nenhum caso é perdido. Não existe cura, mas existe tratamento, recuperação”. Osmar ensina a nomenclatura adequada, mostra que cada um ali é um adicto em recuperação. Depois que saem de lá, são orientados a frequentar os alcoólicos anônimos ou os narcóticos anônimos. A propósito, foi ele quem fundou o primeiro narcóticos anônimos em Fortaleza. Hoje, são mais de 40.

Na casa, os que estão em recuperação não têm acesso a celular ou computador. Telefonemas, só um por semana, de 10 minutos. Se a mãe e a namorada querem ligar, podem. Cada uma com seus cinco minutos. Visitas, uma vez por semana. Homens e mulheres convivem, mas não dormem no mesmo quarto. Nem pensar em relações sexuais. É expulsão de imediato.

Por lá, já passaram padre, freira, coronel, gerente de banco, professor universitário. Todos com o mesmo problema, a dependência. Alguns, com o mesmo receio. O bancário temia que os colegas descobrissem. Precisou se envolver em um acidente, depois de bebedeira, para assumir que precisava de ajuda.

Osmar se orgulha dos resultados obtidos. Lembra os pacientes que encontra nos shoppings, no calçadão, no supermercado. Todos ‘limpos’. Comunga da felicidade quando a família vai agradecer. Jogo ganho. E se entristece quando sabe das recaídas. Não basta só o tratamento. É preciso uma série de mudanças – de hábitos, de lugares, de companhias. No fim das contas, ele ensina e aprende. Sempre assim, em paralelo. (Daniela Nogueira)

PERFIL

Todo santo dia, o doutor Osmar lembra pelo telefone, ainda no trajeto de casa ao Instituto Volta Vida: “Guarde dois pãezinhos para mim. Os mais crocantes”. São 6h30min e ele espera para tomar café com aqueles que ajuda a cuidar. Os pães são os pacientes que fazem. “Sempre sai gostoso”. A cada semana, um tem a sua vez de padeiro. Aprendem lá mesmo a fazer o pão deles de cada dia. Farmacêutico bioquímico e psicólogo especialista em dependência química, Osmar Diógenes passa a receita: só funciona se for com amor. E é assim que ele lida com a vida e com a morte. A cada ano, são de 12 a 15 velórios. De gente que não quis ser tratada, que se deixou matar. “A gente tem de trabalhar a frustração também”. Mas os mais de três mil casos que ajudou a cuidar confortam. E Osmar ainda se espanta quando conta dos casos. Há uns 20 anos, o problema era a maconha vegetal, pura: “Os pais chegavam dizendo: ‘Hoje, não existe mais a pura. Na maconha, tem uns 30% de crack. Começou o crack há uns oito anos. De três anos para cá, aumentou”. E ele segue, tentando reconstruir mais vidas: “Faço com muito amor e naturalmente. Só funciona assim. Essa transferência tem de ser espontânea”. (DN)

Fonte: Jornal o Povo - Matéria 3/6.

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